sábado, 27 de dezembro de 2008

Caixa de areia


O casal tinha acabado de chegar de uma festa. Discussão feia. Estado etílico semi-patológico. Boa coisa não ia dar.

Então ela avançou pra cima de algo, pra quebrar, só de raiva. E foi agarrada com força pelo namorado.

Foi quando surgiu uma voz baixinha:

"- Sabe, vocês podiam aprender um ou dois truques com a gente..."

Era um gato. Preto. Não tinha raça, mas desfilava janela adentro com a elegância que é peculiar a todo gato. Mesmo os falantes. Pelos bonitos, os dele.

Continuou:

"- ...por exemplo, tenho unhas afiadas. E as uso para me defender sempre que preciso. Elas estão aqui por algum motivo, não é mesmo?

Acontece que vocês, "educados" como são, teimam em esconder tudo. Os sentimentos, os anseios, as angústias. Vão só acomulando.

Até que explodem.

Percebe, Martinha? Destruir o apartamento não vai dizer pra ele a tristeza que te dá, quando ele sai porta afora sem falar uma palavra, deixando dinheiro do lado da cama.

Não vai mostrar o quanto te dói quando ele te trata como puta.

E, Carlos, eu não sei o que pretende fazer com o braço dela. Só acho que se você tivesse falado o que estava te incomodando antes, não estaria á um passo de ir pro xilindró, por agressão.

Caso aconteça, quero informá-lo de uma antiga superstição: segundo ela, dá azar não dormir com a bunda virada pra parede, na cadeia...

Sabem, tanto poderia ser evitado se vocês não escolhessem partir para os palavrões sem mesmo experimentar as palavras..."

Os dois olhavam, atônitos. Palavra legal essa. "Atônito". É. É assim que eles estavam. Não é todo dia que um se toma lição de moral de um felino.

"- O que foi? O gato comeu...? Ah, não me façam dizer..." Depois disso, o bichano começa a lamber a patinha, satisfeito.

Carlos olha pra Marta, que assente com a cabeça. Então ele pega um cabo de vassora e POW! Dá uma cacetada certeira no animal, que voa um pouco, pra logo cair 6 andares. Os dois olham e não vêem nem sombra dele.

A briga obviamente continuaria. Sempre foi assim. Na saúde e na doença. Com um pouco de sorte, fariam as pazes na cama pela décima segunda vez.

Por via das dúvidas, a partir de hoje só beberiam Vodca, Wisky, Martini,Tequila...nada daquele troço azul bizarro que andavam servindo lá no bar.

Poderiam conviver com as brigas, o alcoolismo e o silêncio claustrofóbico de um relacionamento fadado ao fracasso, por algum tempo.

Mas alucinação coletiva já era demais...

13 comentários:

Anônimo disse...

haha... gato de sorte, nao?

adorei!
bejotas

Anônimo disse...

Hahahahahaha, adorei, esperava um fim todo sentimental e cheio de lição de moral, mas foi totalmente "não" surpreenedente hehe :P

;**
Adooooro-te

Saoki disse...

Muito bom mesmo, gostei da história e da voz. Tem mais de onde saiu essa?

Juno disse...

Okaeri, Saoki :-)

Volte sempre!

Eterna Primavera disse...

Voltou o tom das velhas crônicas que me fizeram ser devota a esse Blog.

Espero ver outras e mais outras.

Um ano de criatividade mil pra ti, Juno!

Beijinhos.

=)

Ana

Juno disse...

Valeu. De fato, achei um cd com um monte de textos velhos dos tempos do meu antigo blog, o Acetato. Se pá, posto alguns aqui.

Preparem-se para um festival de vergonha alheia...



:-)

Anônimo disse...

Ah, que felicidade ver você de volta! E que história bacana! Fico muito contente mesmo de voltar aqui (fiz isso durante o ano todo) e ver que tem algo novo, mesmo que venha do Acetato - eu nunca o li.

E adorei o cartão de Natal.

Bjo, bjo, bjo, feliz 2009

Auíri Au disse...

Pra começar o ano:
RECEITA DE ANO NOVO
(Carlos Drummond de Andrade)

•Para você ganhar belíssimo Ano Novo...
•Não precisa fazer lista de boas intenções para arquivá-las na Gaveta...
•Não precisa chorar de arrependimento pelas besteiras consumadas nem parvamente acreditar que por decreto da esperança a partir de Janeiro as coisas mudem e seja claridade, recompensa, justiça entre os homens e as nações, liberdade com cheiro e gosto de pão matinal, direitos respeitados, começando pelo direito augusto de viver.
•Para ganhar um ano-novo que mereça este nome, você, meu caro, tem de merecê-lo, tem de fazê-lo novo!
•Eu sei que não é fácil mas tente, experimente, consciente.
•É dentro de você que o Ano Novo cochila e espera desde sempre.

Anônimo disse...

Adorei este post! :)
Cheguei a este blog e deparo-me com isto ..já sou fã!
Muito bom!
Vou passar aqui muitas mais vezes :)

Bom 2009! *

Layz Costa disse...

hahaha, ameeeei!
;)

Obrigada pela visitinha, amei seu blog.
beijo =*

Anônimo disse...

advinha? tem meme pra ti nu meu blog ^.^

bjinhus

Juno disse...

Obrigado pelas visitas. Abração

Mysterious Ways disse...

de todos, eu senti mais pelo gato ... tadinho... e ó, um gato sábio desse a gente nao encontra por aí !

Obrigada pela visita em meu blog há dias! Gostei muito do seu canto também !

Bijuca da mysterious